Energia e Mobilidade
Posição do GEOTA sobre a Linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa
Data
16
Junho
2023
Autor
Autor:
GEOTA

Posição do GEOTA sobre a Linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa,
Fase 1/Lote A – Troço Aveiro (Oiã)/ Porto (Campanhã)

no âmbito da avaliação de impacte ambiental

16 Junho 2023


Síntese

O GEOTA considera ser de reprovar liminarmente o estudo de impacte ambiental (EIA) do troço Aveiro-Porto da Linha de Alta Velocidade (LAV) Porto-Lisboa, por cinco motivos:

1. Não está demonstrado que uma LAV seja a melhor solução para a ligação ferroviária Lisboa-Porto. Não foi discutida a solução alternativa de alterar o modelo de exploração e requalificar a Linha do Norte, nem no Plano Ferroviário Nacional nem no EIA. Provavelmente o projecto LAV Lisboa-Porto terá fraca procura e um custo desproporcionado.

2. Numa LAV, os impactes mais significativos, quer positivos quer negativos, são de natureza cumulativa, pelo que não é aceitável tomar decisões troço a troço. É o caso de factores como os consumos de energia, a procura do serviço AV, o modelo de exploração, a afectação de populações humanas, a afectação de solos, corredores ecológicos e áreas classificadas, e os custos. Não é evidente que a LAV Lisboa-Porto no seu conjunto seja viável (social, ecológica ou economicamente). É, portanto, metodologicamente errado e politicamente inaceitável tomar decisões por troços e sem avaliar os impactes cumulativos.

3. Tratando-se de uma LAV, os principais benefícios só ocorrerão com a linha completa Lisboa-Porto. Ou seja, o troço Porto-Aveiro da LAV só por si não é útil, e só pode ser entendido como a tentativa de criar um facto consumado num projecto globalmente mal fundamentado.

4. O avanço da LAV Lisboa-Porto em pequenos troços, com um custo sumptuário, impedirá outros investimentos em ferrovia, muito mais necessários. As prioridades nacionais devem ser os suburbanos de Lisboa e o reforço coerente do serviço intercidades, onde não são visíveis avanços significativos.

5. Este EIA em concreto apresenta múltiplas deficiências, desde logo nos estudos de procura e exploração — mal fundamentados — e ao nível dos impactes em matérias essenciais, como os gastos de energia e balanço de carbono, a afectação de áreas naturais e sociais sensíveis, e os custos, entre outros aspectos.


Apreciação geral

O GEOTA considera ser de reprovar liminarmente o estudo de impacte ambiental (EIA) e o projecto do troço Aveiro-Porto da Linha de Alta Velocidade (LAV) Porto-Lisboa, quer pela muito insuficiente fundamentação do projecto, quer por deficiências significativas no EIA. Podemos distinguir cinco argumentos principais para esta reprovação:

1. Não está demonstrado que uma LAV seja a melhor solução para a ligação ferroviária Lisboa-Porto. Num país da dimensão de Portugal, a utilização interna da alta velocidade (AV) não é custo-eficaz, devido aos elevados custos. A nível internacional, a AV ferroviária é usada para ligar grandes metrópoles a grandes distâncias, com grandes massas de pessoas e com escasso tráfego intermédio; nenhum destes requisitos é cumprido nas ligações dentro de Portugal. Já temos há mais de duas décadas serviços em velocidade elevada (220 km/h), que se mostraram perfeitamente adequados a boa parte das necessidades nacionais — o que está errado é o modelo de exploração incoerente e as baixas frequências. Não foi minimamente discutida, nem no Plano Ferroviário Nacional (PFN), nem no EIA em análise, a solução alternativa de alterar o modelo de exploração e requalificar a Linha do Norte. De facto, há uma forte probabilidade de todo o projecto LAV Lisboa-Porto ter fraca utilidade e um custo desproporcionado (à semelhança de 55% da rede nacional de auto-estradas).

2. Numa LAV, os impactes mais significativos, quer positivos quer negativos, são de natureza cumulativa, pelo que não é aceitável tomar decisões troço a troço. É o caso de factores como os consumos de energia, a procura do serviço AV e consequente redução dos impactes de outros modos de transporte, o modelo de exploração, a afectação de populações humanas, a afectação de valores naturais, a afectação de usos do solo, de corredores ecológicos e de áreas classificadas (seja por influência directa, seja pela fragmentação de habitats), os custos, quer de investimento, quer de exploração, entre outros. Ou seja, só é possível avaliar adequadamente os impactes para o conjunto da linha. Não é evidente que a LAV Lisboa-Porto no seu conjunto seja viável (social, ecológica ou economicamente). É, portanto, metodologicamente errado e politicamente inaceitável tomar decisões nesta matéria de forma compartimentada, troço a troço.

3. Tratando-se de uma LAV, os principais benefícios só ocorrerão com a linha completa Lisboa-Porto. Ou seja, o troço Porto-Aveiro da LAV só por si de pouco serve, e só pode ser entendido como a tentativa de criar um facto consumado de promoção de um projecto AV mal fundamentado. Na vizinhança do Porto, seria bem mais útil a quadruplicação da linha entre Ermesinde e Aveiro e a extensão em via larga até Santa Maria da Feira — segregando os tráfegos suburbano e intercidades.

4. O avanço da LAV Lisboa-Porto em pequenos troços, com um custo sumptuário, impedirá outros investimentos em ferrovia, muito mais necessários. As prioridades nacionais devem ser os suburbanos de Lisboa (que devia ser a espinha dorsal do sistema de transportes metropolitano e não é) e o reforço coerente do serviço intercidades (aumento para o dobro das estações intercidades e aumento muito significativo de frequências em todas as linhas), em consonância com o que tem sido feito em países de dimensão semelhante à nossa. Lamentavelmente não são visíveis avanços nestas matérias. A prioridade à AV implica um sério risco de não concretização das intervenções mais prioritárias.

5. Este EIA em concreto apresenta múltiplas deficiências, desde logo nos estudos de procura e exploração — mal fundamentados — e ao nível dos impactes em matérias essenciais, como os gastos de energia e balanço global de carbono, o ordenamento do território, a afectação de áreas naturais e áreas urbanas sensíveis, e os custos de investimento e operação, entre outros aspectos.


Análise sectorial

Procura e exploração

O estudo da procura de passageiros é feito para três cenários de evolução, determinados a partir de alterações demográficas, evolução do trabalho, evolução do turismo, alterações climáticas e políticas europeias (não existe explicação mais detalhada do que isso). É de notar que a procura, como tudo o resto neste estudo se concentra sempre nas ligações Porto-Lisboa, não havendo praticamente referência a outras ligações. Esta lacuna é muito grave, já que só no serviço Alfa e Intercidades actual na Linha do Norte cerca de 50% do tráfego é intermédio. Ainda mais grave é a ausência de modelação da procura em função do modelo de exploração, e em especial da frequência dos serviços, da intermodalidade e dos tempos totais de trajecto porta-a-porta, que são das variáveis mais importantes na determinação da procura ferroviária.

No EIA são apresentados seis cenários da evolução das mercadorias transportadas por ferrovia num gráfico com horizontes até 2070. Para além de previsões neste horizonte serem especulativas (para não dizer fantasiosos), não há qualquer evidência de que o tráfego de mercadorias (nocturno) na Linha do Norte seja incompatível com o tráfego intercidades (diurno) na mesma linha.

O que é crítico na Linha do Norte, seja entre Lisboa e Azambuja, seja entre Aveiro e Porto, é a segregação dos dois principais serviços, suburbano e intercidades, que têm características completamente diferentes. Este assunto foi superficialmente discutido no PFN, mas é desprezado no projecto em análise.

Emissões de GEE e ecologia

A tecnologia AV obriga a consumos de energia muito mais elevados que a ferrovia convencional, em especial numa situação onde as distâncias muito curtas obrigariam a frequentes acelerações e desacelerações (manobras que implicam muito maior consumo que a velocidade de cruzeiro). Esta análise, essencial para compreendermos o balanço de carbono do projecto, não foi feita.

O carbono armazenado libertado com o corte de árvores é referido, bem como a área de unidades de vegetação e habitats afectada. O número indicativo de plantação de uma área de 1,25 vezes maior que a desarborizada, no caso do sobreiro, é grosseiramente insuficiente, porque não leva em conta o tempo de crescimento e maturação do ecossistema, nem outras espécies florestais, nem o balanço global de carbono.

Neste projecto são atravessadas áreas de Rede Natura 2000 (ZEC e ZPE Ria de Aveiro). Não foi feito trabalho de campo suficiente para uma avaliação rigorosa dos impactes ambientais ou custos da solução proposta (passagem por viaduto). Está também por fazer essa análise para o resto da LAV, Aveiro-Lisboa, onde provavelmente irá haver outros troços conflituosos.

Sócio-economia

A linha AV, e em especial o troço Porto-Aveiro, localiza-se numa das regiões mais densamente povoadas do país, ainda por cima com um povoamento disperso e com alto valor agrícola, que torna extraordinariamente difícil a definição de corredores de baixo impacte, para mais numa infra-estrutura com requisitos geométricos muito exigentes e rígidos como é uma LAV.

Existe impacte muito significativo em zonas urbanas como áreas residenciais, escolas, unidades de saúde, unidades de turismo, indústrias. Em alguns casos haverá construção de viadutos para tentar diminuir o impacte, mas não deixa de ser um impacte muito significativo.

Fala- se da necessidade de compensação suficiente para os afetados por forma a garantir condições semelhantes ao que as famílias têm atualmente, nada mais específico sobre valores.

Os alegados benefícios socioeconómicos resultantes da implementação da LAV são empolados porque sistematicamente subvalorizam ou não quantificam os aspectos negativos.

Custos

O troço Aveiro-Porto da LAV tem um custo de investimento estimado de 1 650 M€, dos quais 500 M€ são de fundos europeus e o restante financiado através de contratos de concessão da conceção, construção, manutenção e financiamento. Não parecem ter sido devidamente avaliados os custos de expropriação e de mitigação de impactos, tanto sociais como ecológicos, incluindo o elevado custo de obras de arte (túneis e viadutos) e de realojamentos.

Não há um modelo de negócio claro para o serviço AV. Tendo em conta o histórico das SCUT, com custos completamente desproporcionados face à utilidade, é de temer que os custos futuros da aventura na alta velocidade irão criar encargos para os contribuintes durante décadas, com benefícios altamente incertos.

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