Ambiente e Território
Plano 2020/2030: GEOTA diz que Visão Estratégica precisa de priorizar e quantificar medidas
Data
21
Agosto
2020
Autor
Autor:
GEOTA

Encontrando-se em apreciação pública um documento de reflexão estratégica produzida por um respeitável e experiente consultor, António Costa Silva, e que o governo transformou em documento para discussão de um Plano de Recuperação Económica para Portugal inexistente, importa referir que há ligeireza na forma de abordagem e debate público que este assunto exige face à crise pandémica e económica e aos fundos europeus que serão afetados para o desenvolvimento e recuperação económica do país.

O GEOTA elogia o esforço de abrangência e integração desta Visão Estratégica. Subscrevemos o diagnóstico feito e muitas das preocupações e prioridades enunciadas, com destaque para as seguintes:


Aspectos positivos, a seguir e aprofundar

 

1. Valorização do território e do capital natural e cultural, em especial a protecção dos recursos hídricos, dos solos e da biodiversidade, e a resposta à crise climática; e em geral a salvaguarda dos valores únicos, ecológicos e culturais, que são a base da identidade nacional e de uma economia sustentável e diferenciada;

2. Promoção da resiliência e da eficiência nos sistemas e infra-estruturas nacionais, incluindo água, energia, mobilidade, abastecimento alimentar, tecnologias de informação, economia circular, e produção industrial de bens essenciais, valorizando o know-how e a capacidade de inovação existentes;

3. Reforma fiscal verde, com transferência da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos recorrendo a medidas inovadoras, incluindo remuneração dos serviços dos ecossistemas — garantindo melhor equidade social, promoção do emprego, eficiência ambiental e económica;

4. Aposta em soluções mais sustentáveis, como a promoção da ferrovia urbana e de longa distância, a transição energética, a requalificação urbana, o turismo de qualidade, as cadeias curtas de abastecimento;

5. Melhorias profundas na governação precisam-se, incluindo a capacidade estratégica do Estado, a eficácia e maior independência das entidades reguladoras, o incremento da transparência dos poderes públicos e a reforma do sistema de justiça, tornando este mais ágil, acessível e eficaz, algo que hoje representa desigualdade de armas, morosidade e mais justiça processual que material.



Aspectos negativos, a corrigir


6. Falta de perspectiva de sustentabilidade. Todo o documento é refém dos paradigmas convencionais da tecnocracia e do crescimento económico como vias para o desenvolvimento. Não há preocupação com o consumismo reinante, nem consciência aparente de que já ultrapassámos muitos limiares ambientais críticos. Em particular, as medidas de salvaguarda dos ecossistemas são pouco assertivas e revelam a carência de aprofundamento para se tornarem adequadas e eficazes, algo que o GEOTA tem vindo há anos a abordar junto dos decisores politicos e autoridades administrativas.

7. Ao nível das medidas, vemos reduzida atenção à questão chave da eficiência, em especial na gestão da água, energia e fluxos materiais, incluindo gestão de resíduos (cujo Plano Nacional tem sido alterado e adiado desde o PERSU II ao PERSU 2020+ num emaranhado de regulamentação e alterações que prejudicam a eficiência no setor) e matérias-primas. Retórica à parte, o documento subvaloriza grosseiramente esta problemática, assumindo, erradamente, que já se deram passos significativos neste sentido — quando estamos de facto quase na estaca zero face às metas e orientações pretendidas no contexto nacional, europeu e global, para 2023, 2030 e até 2050.

8. Contradizendo os princípios enunciados, o documento prevê muitas medidas insustentáveis, entre velhas propostas "requentadas" e novas "varinhas mágicas". Exemplos: a aposta cega na construção de infra-estruturas (a velha receita falhada do desenvolvimento medido em betão), a aposta na nova indústria extractiva (um sector inerentemente insustentável), uma nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto (quando há melhores soluções para cumprir o mesmo serviço, caso da otimização da linha existente), o aeroporto para a AML (certamente não prioritário no contexto presente e com alterativas susceptíveis de análise), a aposta cega na fileira do hidrogénio (com potencial, mas ainda em estado piloto e apostando elevados montantes num país com inúmeras carências e quando na área da eficiência energética está a solução mais prática e objetiva a considerar);

9. Insuficiente atenção à corrupção e ao controlo da despesa do Estado. A palavra "corrupção" não aparece uma só vez. Atirar dinheiro aos problemas não os resolve, resultando em soluções ineficientes e ambientalmente danosas, e no benefício indevido de sectores com ligações promíscuas ao poder político. Não é proposto uma medida quando o país carece de um plano estratégico anti-currupção).

10. Insuficiente atenção à sociedade civil. O documento foca-se apenas no papel do Estado e das empresas. "Sociedade civil" é uma expressão ausente. Os cidadãos são vistos como meros consumidores e administrados; não são respeitados ou envolvidos como os actores sociais fundamentais que devem ser.




Em síntese, a Visão Estratégica em análise merece o nosso apreço pelos princípios que defende e como base de reflexão estimulante; mas ao nível das medidas e orientações concretas apresenta falhas diversas, requerendo um debate profundo, que não é possível fazer num mês e em plena época de férias.


Mais acresce referir que a reflexão apresentada oferece a necessidade de priorizar e quantificar medidas e estratégias que, na prática, têm que ser assumidas expressamente pelo Governo, pois só o aprofundamento de um debate público transparente e sério, que envolva a sociedade civil e o mundo empresarial, permite selecionar e otimizar os investimentos a realizar e a sua eficácia na recuperação económica que Portugal carece urgentemente.

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