Energia e Mobilidade
Parecer - Proposta para energias renováveis offshore
Data
10
Março
2023
Autor
Autor:
GEOTA

O Governo colocou em consulta pública a proposta preliminar das áreas para o planeamento e operacionalização de centros electroprodutores baseados em fontes de energias renováveis de origem ou localização oceânica. O GEOTA vem, deste modo, exercer o seu direito de participação, formulando um conjunto de sugestões, contributos e alertas para otimizar o futuro desenvolvimento de energias renováveis offshore em Portugal.

Em primeiro lugar, o GEOTA reconhece o potencial das energias renováveis oceânicas para a descarbonização do sistema energético português, tirando partido da vasta Zona Económica Exclusiva de que o país usufrui. Em particular, os sistemas eólicos offshore flutuantes, os mais adequados para a maioria da costa portuguesa, têm registado descidas de preços consideráveis sendo agora competitivos face a outras soluções. O principal impacto positivo é a redução das emissões de gases de efeito estufa ao substituir a queima de combustíveis fósseis na geração de eletricidade. Quando comparado com a instalação de mais centrais eólicas onshore, a tecnologia offshore reduz a necessidade de utilização de solo, conservando a biodiversidade e ecossistemas terrestres, e diminui o impacto visual na paisagem. Existe já um projeto piloto em Portugal que demonstra a viabilidade desta tecnologia. Assim, esta é uma aposta necessária, que permite diversificar as fontes de energia renovável e pode reduzir a pressão no território terrestre, mas que deve ser feita de forma bem ponderada. E o GEOTA concorda com esta estratégia de ser o Governo a apresentar as áreas onde fazem mais sentido a instalação destas infraestruturas, em vez de serem os promotores a escolherem a localização.

No entanto, já existem também evidências de impactes negativos nos ecossistemas e em algumas espécies marinhas, particularmente peixes, tartarugas, baleias e golfinhos, devido à poluição sonora, colisão com as turbinas e perda de habitat. Adicionalmente, tal como no eólico onshore, existe o risco de colisão com aves migratórias com impactes significativos nas populações destas espécies. A construção e manutenção das turbinas causam distúrbios no território marinho que podem também prejudicar a qualidade da água. Pode também haver impactos negativos nas atividades piscatórias, noutras atividades tradicionais e na paisagem costeira, o que pode gerar contestação por parte das comunidades locais. O fabrico das turbinas eólicas obriga também ao consumo de recursos e, em particular, de metais e terras-raras, o que acarreta impactes ambientais e sociais bem conhecidos da mineração. Deve ser adotada uma perspetiva de economia circular face a estes recursos.

Face ao objetivo de instalar 10 GW de potência eólica offshore até 2030, urge questionar a justificação técnica desta meta elevada. No relatório desta consulta pública, apenas é referido que “a demonstração de interesse para o desenvolvimento comercial de parques eólicos offshore ultrapassam já os 10 GW de potência”. Ora esta não é uma justificação válida para o objetivo de 10 GW. Para referência, este valor corresponde a quase o dobro da potência instalada eólica onshore em Portugal (5,6 GW em 2020). Em dias de muito vento (pico da produção), a energia eólica onshore já cobre quase a totalidade do consumo de eletricidade em Portugal durante algumas horas do dia, sendo que há potencial para fazer o reforço da potência das turbinas já existentes de forma a aumentar a produção de eletricidade. De referir também que o fator de capacidade da eólica offshore é pelo menos 50% superior face à eólica onshore (ou seja, para a mesma potência produz mais eletricidade ao longo do ano). Somam-se ainda os 14,4 GW de energia solar fotovoltaica previstos para 2050, que pode ser um cenário conservador face a todos os projetos planeados e em implementação.

Mesmo considerando fatores como a redução da utilização das centrais a gás natural, a eletrificação dos vários setores económicos, a produção de hidrogénio verde, a existência de novos consumos, a instalação de baterias e outras tecnologias de armazenamento e o aumento da capacidade de exportação de eletricidade, Portugal pode em breve ter vários dias com produção de eletricidade renovável excessiva. Tal poderá obrigar à restrição da produção em certos períodos do dia, o que diminui a competitividade e resiliência do sistema elétrico. Sendo relevantes os impactes negativos das renováveis, não faz sentido ambientalmente produzir mais eletricidade do que a necessária.

Existem outras alternativas face ao sobredimensionamento excessivo dos sistemas de produção de energia elétrica renovável. Estas incluem a aposta premente e multissectorial na eficiência energética, uma estratégia de mobilidade que limite o uso excessivo e ineficiente do automóvel individual (incluindo os elétricos) e o investimento na flexibilidade e inteligência nos consumos de eletricidade e na descentralização da produção renovável. Deve ser dada prioridade à produção descentralizada, porque é mais resiliente, tem menos impactes ambientais, menos conflitos de uso com a conservação da natureza e o sector agro-florestal, menos custos futuros pela redução de perdas no transporte e de custos de rede, e maior capacidade de mobilizar investimentos de pequenos investidores (famílias e PME), que são atores essenciais na transição para uma rede inteligente. Também será relevante reavaliar a estratégia para o hidrogénio verde em Portugal, nomeadamente o papel do país como exportador de quantidades massivas deste produto para outros locais da Europa que poderá não ser uma abordagem custo-eficaz.

O GEOTA considera que as áreas propostas nesta fase são demasiado vastas e refletem o desconhecimento das entidades públicas da realidade e das condicionantes no território. Trata-se de mais de 3 mil quilómetros quadrados em cinco áreas marítimas ao longo da costa portuguesa. Antes de ser iniciado qualquer processo competitivo para alocar licenças de produção, deve ser feita uma análise mais exaustiva à escala local de forma a refinar áreas de menor dimensão mais específicas onde de facto poderá fazer sentido implementar estes projetos. Para além da componente técnico-económica, é crucial esta análise incluir critérios ecológicos, como por exemplo a presença de populações conhecidas e de rotas migratórias para as diversas espécies. Neste processo é também crucial a participação pública, incluindo stakeholders representantes das atividades económicas tradicionais e das organizações de proteção do ambiente, de forma a procurar consensos, melhorar projetos e minimizar à partida a contestação social. Deve também ser investigada a potencial compatibilização com outras atividades económicas como a aquacultura.

Existe um conflito ambiental claro onde o GEOTA será intransigente - a área de Sintra/Cascais sobrepõe-se a uma área protegida (Zona de Proteção Especial do Cabo Raso PTZPE0061). A justificação dada para a utilização desta área não é suficiente, sendo que deve ser removida de um futuro concurso ou reduzida de forma a eliminar sobreposições com áreas protegidas. Adicionalmente, as áreas de Leixões e da Figueira da Foz são adjacentes ao limite exterior do Sítio de Importância Comunitária Maceda/Praia da Vieira (PTCON0063) e a área de Espinho situa-se na faixa marítima de proteção costeira que integra a Reserva Ecológica Nacional. O pressuposto para a seleção de locais não pode ser “as áreas deverão situar-se preferencialmente fora destas servidões”, mas sim “as áreas deverão situar-se fora destas servidões”. Em 2023, projetos que visam a transição climática não podem contribuir para o agravamento da crise da biodiversidade. Relembramos que, em dezembro de 2022 na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), Portugal assinou o compromisso internacional de proteger efetivamente 30% do seu território marinho. O primeiro passo tem de ser melhorar a proteção das áreas protegidas já existentes face às pressões já existentes e a ameaças futuras. Infelizmente tal não tem acontecido em Portugal até agora, com atividades danosas frequentes tanto nas áreas protegidas terrestres como marinhas. O segundo passo importante é a definição de novas reservas marinhas dentro da zona económica exclusiva portuguesa, tanto no Continente como nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Atualmente, Portugal apenas protege 2,5% da sua área marinha, havendo muito trabalho pela frente para atingir a meta de 30%. Neste contexto, a expansão dos parques eólicos offshore deve simultaneamente antecipar e priorizar a necessidade de expandir a proteção de ecossistemas marinhos essenciais. Esta foi a abordagem adotada em, por exemplo, Espanha, onde foi efetuado o mapeamento simultâneo de áreas para energia eólica e de áreas para conservação da biodiversidade.

O relatório reconhece que existem lacunas de informação importantes a colmatar. É necessário estudar e monitorizar caso-a-caso e área-a-área as consequências ambientais e sociais, positivas e negativas, da instalação de parques eólicos offshore. A realização de procedimentos sólidos de avaliação de impactes ambientais é crucial no entendimento do GEOTA. A estratégia do Governo de desregulação destes instrumentos essenciais com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de projetos de energia renovável é errada. Em alternativa, deve apostar na capacitação das entidades reguladoras, fortalecendo os seus meios humanos, financeiros e técnicos. A passagem dos cabos submarinos e das linhas de alta tensão também merece um estudo cuidado, que parece não ter sido começado ainda.

Outro ponto importante refere-se ao desenho dos concursos competitivos para atribuição de licenças de instalação de parques eólicos offshore. Os leilões deverão incluir critérios não financeiros na avaliação dos projetos, de forma a alavancar bons projetos que sejam viáveis e que promovam benefícios múltiplos para o território. Estes critérios podem incluir experiência e idoneidade do promotor, qualidade técnica do projeto, inovação tecnológica, proteção da biodiversidade, participação dos cidadãos e entidades locais como parceiros, entre outros que já estão a ser implementados em vários países europeus. Por exemplo, um dos últimos leilões de energia eólica offshore nos Países Baixos apenas atribuiu um peso de 10% da avaliação das propostas aos critérios financeiros. Não deve ser efetuado um único leilão de 10 GW que poderia prender o país a condições acordadas na situação específica atual e com o conhecimento que existe até ao momento. A tecnologia eólica offshore está ainda numa fase de desenvolvimento dinâmico. Recomenda-se fasear os leilões para as áreas identificadas de forma a garantir que as condições acordadas são as mais interessantes para Portugal.

Devem ser aprendidas as lições dos leilões solares de 2019 e 2020, onde a escolha cega e orgulhosa “do mais barato” - anunciado com pompa e circunstância como sendo os "preços mais baixos do mundo" - tem levado a atrasos na execução dos projetos. A recusa dos promotores vencedores em cumprir as condições acordadas obrigou à revisão das tarifas por parte do Governo, favorecendo promotores que licitaram demasiado baixo em detrimento dos promotores que incorporaram melhor os riscos nas suas propostas.

Concluindo, o GEOTA apoia a implementação de energias renováveis oceânicas mas, no âmbito da presente consulta pública, apresenta vários alertas, questões e sugestões relativos à (falta de) estratégia que o Governo parece querer implementar. Esperamos que este contributo receba a consideração que é devida na consulta pública e que seja procurada a participação das várias partes interessadas nas fases subsequentes deste processo.

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